Com muita alegria hoje trazemos o primeiro artigo da nossa mais nova colunista Thaís. Uma menina divertida, que ama viajar. E se você é uma daquelas pessoas que precisa de outra, para poder fazer qualquer tipo de viagem, tenho certeza que saíra desse texto com uma nova percepção sobre as viagens com a única companhia: a sua.
E se
desatarmos esse nó
do
Viajar só
até vir a ser
uma espécie
de
Viajar-se?
Porque é exatamente isso o que acontece quando se viaja só: uma viagem, antes de tudo, dentro de si.
Antes de começar a voar solo, eu fazia voos duplos ou em bando; viajava com amigas ou namorado. Sempre.
De fato, o inegociável para mim era fazer viagens internacionais nas férias. Ou seja, eu tinha até uma lista de países a serem visitados com seus respectivos anos. Tipo uma estimativa, uma tabela de metas, sabe?
E sempre cumpria o proposto nessa lista (até porque a ideia era fechar toda Europa em dez anos – a iludida aqui acreditava piamente nisso – risos).
E era sempre com alguém (imagina se eu cogitaria viajar – pra fora do Brasil ainda por cima – sozinha? Nunquinha!)
Até porque sempre havia alguém não é mesmo? (amigas ou namorado…).
Sempre com alguém
Sempre com
Sem – pre
Sem…
Sem…
Ops. Parece que tá faltando algo aqui…
Seria o tal dia em que o sempre sempre acaba?
Seria. Havia chegado o temido dia do sem.
Sem… ninguém.
Em 2014, o ano em que o sempre com se abreviou em sem. Surpreendentemente, no momento que fui escalar o possível time que me acompanharia, cada amiga, uma a uma, me foi dizendo que, daquela vez, não conseguiria ir comigo (não estava namorando na época).
Aliás, os motivos eram dos mais diversos: havia a questão (importante) do dinheiro, ou calhava de o período de férias não coincidir com o meu (sou farmacêutica concursada e, no meu trabalho, a gente precisa planejar o período de férias um ano antes).
Uma a uma, até que não restou mais nenhuma.
Pane no sistema. Error 404 – não contava com aquilo.
Mas é que a vida não nos conta o que vai nos aprontar, na maioria das vezes.
Eu não tinha a opção de mudar o mês das férias, então me restavam dois caminhos: viajar sozinha ou não viajar. Decerto, o primeiro reflexo – de medo, claro – foi dar uns dois passos atrás daquele abismo que se abriu diante de mim, justamente pra ele não me olhar de volta – sorry, Nietzsche.
Vociferei mentalmente: sozinha não vou! Mas aí, quase que sincrônica ao abismo, veio também a personificação daquela minha tabela de previsão de viagem e destino, ano a ano, lembra? Sim, essa mesma, dona de si, achando que daria conta da Europa inteira em dez anos (mais risos).
Então, ela – a tabela, me jogou na cara que não viajar implicaria um ano de atraso no meu planejamento.
Senhoras e senhores, com vocês o duelo de abismos!
Meu Deus! Eu perderia um ano! Enfim, não fecharia a Europa em dez anos! Meu Deus! Eu tenho que ir então (até porque o que vou fazer nos 30 dias se eu não viajar? Afinal, 30 dias é tempo demais e tempo chato quando não se viaja, pensei).
Assim, não teve jeito: fui obrigada a olhar o abismo. Decerto, ele não só me olhou de volta como deu uma piscadinha, aquele danado.
Antes de mais nada, parei de resistir, tomei coragem e um pouco de fôlego, e saltei no meu primeiro voo solo. Um tanto desengonçado de início, mas é que minhas asas ainda estavam em formação, apesar de já serem bem plumosas.
E já no aeroporto, inesperadamente, aguardando embarcar, eis que surge a primeira taquicardia (não bastasse o aceleramento do coração previamente instalado pela condição toda): meu nome, em alto e bom som, vindo do balcão da empresa aérea. Pensei na hora em qual besteira eu poderia ter feito, afinal, não tinha outro motivo para ser chamada, claro.
Sra Thais, boa noite! Err, oi, boa noite. A Sra reservou um assento na classe econômica, certo? Sim, isso mesmo. Tivemos um pequeno problema e precisaremos que a Sra viaje na classe executiva, em vez da econômica… pode ser? A Sra concorda? Sra Thais… Sra Thais…
Você aí que está lendo também ouviu o que ouvi?
É isso mesmo? Viajar na classe E XE CU TI VA?
Sra Thais…Sra Thais… Ahhh oi, desculpa! Pode ser sim! Ok, estou emitindo os novos bilhetes para a Sra… tenha uma excelente viagem!
Primeiramente, eu vou dizer a você que não foi nada mal estrear num abismo-classe-executiva. Seria a vida me recompensando por eu ter sido uma boa menina em, ter superado minhas inseguranças e me jogado a esse novo desafio? Ou seria a famosa sorte de principiante?
Sem dúvida, foi melhor ter mais espaço para acomodar a bagagem de mão, alguns muitos mililitros de suor, um pacote de tremedeira e uma sacola de expectativas. Tudo regado com muito espumante e uma cascata de camarão dos deuses.
Cheguei ao destino (naquele ano, Leste Europeu) e a impressão que ficava, conforme os dias foram passando, era que a vida continuava a me dar mais e mais recompensas além da classe executiva, sabe?
Por exemplo, num dia conheci uma brasileira que também viajava sozinha. Aconteceu quando pedi para tirar uma foto minha – essa é uma das dificuldades nos voos solo: sempre chegará o momento que a selfie não vai bastar, mas, por outro lado, é a desculpa perfeita pra conhecer gente. Voltando ao evento foto e a outra brasileira: fizemos amizade e nos falamos até hoje.
Similarmente, noutro dia, fiz amizade com uma família de mexicanos num museu. Dessa vez, houve uma espécie de inversão no evento foto, ou seja, foi a vez de eu ser a solicitada para dar o clique.
Mantenho contato com todos, especialmente com o filho, até hoje! Ele mora no Chile e me disse que eu já teria guia garantido pra quando chegasse a vez da tabela, ano a ano, sul-americana; planilha essa que só virá depois que a dos dez anos pra toda Europa (mais e mais risos).
Os dias iam e mais pessoas vinham.
E por inúmeros motivos pra além das fotos. Pessoas vinham por também serem brasileiras (ouvir o nosso idioma, em nosso sotaque, lá fora, nos dá quase aquele mesmo tipo de familiaridade e conforto de quando vemos alguém com a camisa de nosso time na rua).
Pessoas vinham numa fila de visita a um ponto turístico famoso, por “chiar” que estava grande demais. Afinal, reclamações também unem pessoas, não é mesmo?
Pessoas vinham pra me ajudar a colocar a mala pesada dentro do trem (sempre surgia, do nada, uma mão salvadora). Pessoas vinham e iam. Muitas iam e eu nunca mais veria. Muitas vinham e ficariam. E ficaram. E estão.
Muitas pessoas começaram a aparecer e seguir a viagem comigo. Para depois do Leste Europeu. Trouxe essas pessoas comigo pra viagem da vida.
Foi quando comecei a perceber que mais pessoas se aproximaram nesse voo solo que quando eu viajava acompanhada.
E isso começou a ser recorrente nas viagens solo seguintes (brinco que é até estatístico). Isso me intrigou e me fez pensar sobre.
Que mágica havia nisso tudo?
Pensei. Pensei. E cheguei à conclusão de que não era magia. Nem eu era um alecrim dourado que a vida escolheu e tratou de recompensar por ter tido a coragem de encarar uma viagem sozinha, isso mesmo, viajar só.
Quando estamos num voo duplo ou em bando, a nossa atenção também é em dupla ou em bando; a nossa energia é em dupla ou em bando. Um voo duplo jamais será a soma exata das vontades individuais de cada voo solo. Porque um voo duplo passa a ser uma diferente unidade, uma terceira a partir de cada elemento que a constitui.
Assim como acontece com a água que é um modelo único formado a partir da individualidade do hidrogênio e do oxigênio. Hidrogênio e oxigênio reagem ao ambiente, cada um, de acordo com suas particularidades, de um jeito diferente. A água, como é uma terceira unidade, também vai interagir com o entorno, a seu modo, de maneira diversa.
Ao viajar só, fui obrigada a me confrontar e conviver dia a dia com todas as características singulares do elemento Thais; essa partícula que só sabia reagir com lugares, estando agregada a outra partícula.
Além da aglutinação a pessoas, outras tantas reações começaram a explodir. Um fenômeno bem interessante teve início nessa minha trajetória de viajar só: comecei a desenvolver um olhar mais poético para fotografias.
Avancei várias casas no tabuleiro das fotos, arriscando novos enquadramentos pra além das selfies. Descobri em mim um lado fotógrafa que ainda não havia aparecido nas viagens acompanhada.
Outra descoberta ao viajar só, foi um aperfeiçoamento na habilidade em montar roteiros e caçar dicas do que fazer nos locais a serem explorados. Aos poucos também fui perdendo o medo de me aventurar nos deslocamentos e em atividades mais alternativas.
E as viagens seguiam…
Do Leste Europeu, vieram outros roteiros sozinha: Grécia, Turquia, Egito, Escandinávia, Bálticos, Índia, Rússia e tantos outros países, tantos outros lugares, dentro do Brasil, também. Inclusive, esse nosso papo aqui só está sendo possível porque conheci a Kênia numa viagem solo aos Lençóis Maranhenses.
Todos esses voos repletos de histórias, encontros, aglutinações, reatividades, redescobertas, mergulhos. Costumo dizer que posso até viajar sozinha, mas nunca volto só. Meus voos solos sempre viram revoada.
Ops! Parece que não tá faltando mais nada aqui…
O sempre não acaba
Havia chegado o tão querido dia do sim.
Sim! Sem ninguém
Sim para o
Viajar só
Que é um
Viajar-se
Sempre.
Então, como você costuma viajar? É do tipo de pessoa que não consegue viajar sozinha ou acredita que a melhor companhia de viagem é a sua.